sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Motivacional gera like

 Não quero exagerar, mas muita gente não usa drogas porque é feio ficar feliz de forma não-sóbria, é como se estar alterado e feliz fosse fácil demais pra ser invejado; a felicidade, hoje, virou algo a ser fotografado, tageado, postado e ostentado nas redes sociais; a tristeza é realidade demais pra ser digerida, e ninguém está afim de lidar com isso agora.
 Na busca por uma alegria de viver, as pessoas procuram muito a auto-ajuda: é texto de apreciação da vida aqui, frase de incentivo acolá- é perturbador o quanto as pessoas recorrem a essa tentativa inútil de escapar da própria realidade. É como se todos buscassem ser algo diferente e superior (dentro dos parâmetros sociais), ao invés de ser algo melhor. 
 Grande parte desses conselhos de vida te indicam um tipo de auto lobotomia: não sofra, diga na frente do espelho que a vida é bela três vezes ao dia e ignore a depressão. É quase uma receita de bolo de milho.
 Eu li algumas páginas daquele livro ''O Segredo'', pois o comprei por engano. Fiquei super chateada com aquela obsessão por sucesso pregada em suas folhas- não consegui ler metade delas. E o que aprendi com essa experiência foi o seguinte: siga o contrário do que os textos motivacionais te dizem. Não sofra pela metade, chore de corpo e alma, fique de luto, lide consigo mesmo e sinta algo! Fique com raiva, constrangimento e tesão, sem tabus. Não tenha medo de refletir e se questionar por medo de sentir algo que não seja pura alegria e contentamento com a vida, isso é covardia, e gente covarde sempre freou a sociedade.
 Eu vejo essas pessoas sofrendo para tirar uma foto que mostre como suas existências são equilibradas e incríveis e outras que se punem e ficam frustradas por não conseguirem alcançar esse ideal. Noto também que tem muita gente que faz de tudo para ser feliz ao ponto de querer controlar todo mundo, ao ponto de pisar em outros humanos- tudo por medo de lidarem com a dor.
 O mundo de um covarde é tão pequeno que só cabe ele mesmo; não tem espaço pra problemas, críticas ou conhecimento. São pessoas que se trancam nesse minúsculo universo que acreditam que se destacar é comprar uma roupa exótica, mudar é trocar de gosto musical, que ser feliz é comprar um carro e ter sucesso é conseguir se casar e ter filhos antes dos 30 anos de idade.
 A vida é uma merda na maioria das vezes, nada faz sentido, todos temos vontade de fugir das responsabilidades, usamos drogas e textos de auto ajuda mas, entenda, tudo isso faz parte da realidade. Se você não consegue conviver com as mazelas existenciais, não vai conseguir apreciar as pequenas alegrias de um jeito concreto, intenso. Não finja emoções, não seja um covarde.

O problema da coexistência

 Desde uma certa idade- aquela em que a dizem que tudo em nós está inadequado- nos forçamos a criar esse personagem que serve para esconder as inseguranças, os medos, a raiva, a paixão, ou melhor, tudo aquilo que, de fato, nos torna humanos. Se atuarmos por muito tempo, passamos a crer que somos aquela maravilhosa ficção- e não há problema algum com isso, até percebermos que não conseguimos nos manter nesse papel vinteequatrohoraspordia/setediasporsemana, porque é sufocante e impossível; em algum momento temos que nos deixar em paz, porém isso não é tão incômodo, já que todo esse serviço faz a gente se acostumar com a ideia de nunca sermos honestos.
 O problema começa quando somos obrigados a passar o tempo com alguém- não digo ''obrigados'' no sentido ruim, incluo nisso o sentimento de amor, carinho, afeto e tudo de bom. Sendo assim, as pessoas que estão passando esse breve tempo terrestre conosco acabam, uma hora ou outra, por tomar conhecimento do que realmente somos; então o jogo começa: ou vão te aceitar do jeito que é, ou vão te dar um fora inesquecível.
 Quando alguém te conhece realmente, vai encontrar os seus defeitos e fraquezas; e é um pé no saco ter que lidar com a vergonha de ser exposto assim de qualquer jeito: sem retoques, photoshop, auto-tune ou uma dose de tequila pra descontrair. É mais ou menos nesse mesmo tempo que você começa a se remoer de dúvidas, se você é feio por dentro, se a outra pessoa é pouco tolerante com seus defeitos, se o melhor mesmo era nunca ter se mostrado tanto assim para alguém.
 Acredito que várias respostas estarão escondidas no lugar mais clichê: em você mesmo. Primeiramente, não tente se comparar com aquela criatura ficcional criada para te interpretar em tempo integral, aquilo não é você, é uma versão minuciosamente editada e pronta para responder a alguns estímulos de maneira ensaiada. Essa sua versão é domesticada e pouco natural, e só representa uma parte mínima do que é você realmente.
 Olha, não sou fã de auto-ajuda, mas é preciso se acostumar a viver com o que você é, mesmo que as pessoas te reprovem- mas não só isso. É preciso, também, saber lidar com as críticas e filtrá-las, já que as vezes somos babacas e ainda não tomamos conhecimento disso; no entanto, não deixe que a opinião do mundo todo influencie nos seus passos, senão você vai parecer uma daquelas bonecas sexuais- com os buracos nos lugares certos e nenhuma opinião sobre o que estão te fazendo passar.

*Sim, esse texto foi muito ''olhe no espelho e diga três vezes: eu sou incrível e consigo fazer o que quiser'', mas esse blog foi feito pra colocar uns rascunhos bobos.... fuck it.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

A terra prometida

 Existem esses momentos-chave na vida, que você sabe que vão mudar algo que antes era intocado;
esse incômodo novo e nunca antes pensado te faz refletir se aquilo esteve sempre ali. Algo ruim te consome, depois tudo vai ficando mais claro. De uma hora para outra o quebra-cabeças se encaixa, a ficha cai, as coisas que antes eram verdadeiras já deixam de fazer sentido, e então a negação acontece. É difícil aceitar que um detalhe mude toda a sua base, tudo o que você é, tudo o que você achou que seria; nesse momento há duas escolhas: aceitar a negação ou abraçar a verdade- e isso não é definitivo, as opções sempre aparecerão, mas essa decisão inspirará todas as seguintes.
 Aceitar a aventura que é mudar de perspectiva é complicado. Todo mundo, no fundo, acha que a verdade é dura e fria, mas pouca gente sabe o quanto é legal se libertar da mentira. Apreciar os dias com outros olhos é uma sensação que nunca fica monótona: curiosidade, perplexidade, espanto, alegria, tristeza e compreensão fazem parte desse novo menu.
 A minha experiência me dizia algo, mas toda a sociedade dizia o contrário então, eu, condicionada a ceder a maioria, me reprimia de perguntar e de me deixar experimentar várias coisas- desde aceitar um docinho de uma pessoa de determinada religião a refletir mais criticamente sobre a religião em que fui criada- e tudo isso por causa do medo de cometer o pecado.
 Os pecados, na minha religião e sociedade, são abstratos e mutáveis, incrivelmente difíceis de seguir com disciplina; nem os mais extremistas e fanáticos conseguem se manter de pé nessa ponte tão estreita que é a vida pura e idealizada do cristianismo protestante. 
 Livrar-me dos dogmas foi assustador, rendeu uma boa crise existencial, mas foi muito positivo- agora eu posso curtir mais os momentos, não preciso ter medo de ter uma ideia original, uma crítica ou de aceitar fatos científicos. Estou mais humana e mais calma, não exijo mais tanto dos outros, talvez eu possa até chamar isso de felicidade, mesmo que ninguém me leve muito a sério.

 

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

O viajante

 Dizia o diário da minha tataravó Gertrudes, que em 1915 andava pela rua um louco chamado Aristides- outrora um abastado, estudado e solteiro requisitado. Seus surtos começaram cedo, sendo notados por seus criados, mas nunca levados a sério pela sua família. No mais, o garoto foi criado muito bem, estudou nos colégios europeus mais caros e se tornou Doutor em Direito; tudo como manda a etiqueta. No entanto, na idade de 26 anos, após ter retornado a sua pequena cidade de origem e ser recebido por grandes festas, usou seus atributos para tentar encontrar uma esposa, afinal, Doutor em Direito e de família renomada são a fórmula do sucesso nos Estados Unidos do Brasil de cem anos atrás.
 Outrossim, Doutor Aristides Vilheira tentou galantear todas as belas moças que podia nos primeiros anos de sua volta, mas todas fugiam logo após o pedido de noivado, isso devido a seus espasmos de egocentrismo, diziam. Seu pai, João Ignácio, tentou ajudar, pediu até para a tata Gertrudes- no dia do casório com meu tataravô- para desposar seu filho, chegando a prometer dinheiro e terras! 
 Passaram-se alguns meses e o coitado do Aristides, sofrendo por falta de amor, começou a gritar pelo bairro que era um homem de 1800 que não conseguia sair de 2015; dali em diante comportou-se de forma estranha à sociedade: mostrava a todos o que ia comer, mas nunca ofereceria nada a ninguém.
 Não demorou muito mais que 2 anos, e minha tataravó, assim como toda a comunidade, estava então acostumada a ver o pobre Aristides saindo em suas melhores roupas nas ruas, oferecendo cartões com os endereços de seus alfaiates, indo a excelentes restaurantes, sempre segurando um espelho a sua frente e falando sozinho as mesmas frases: ''É preciso ensinar a pescar. O melhor a se fazer é clamar por uma intervenção militar constitucional, isso dará certo. Direitos humanos? Isso não deveria existir! Eu acredito que seu professor de história mentiu pra você''.
 O coitado do louco sumiu do mapa, mas não antes de deixar uma placa que chocou toda a região, com os dizeres: #partiu2016.

sábado, 14 de novembro de 2015

O mar nunca foi tão azul


 Se tem um presente que eu gosto de receber é o tal do livro, e penso isso pois ele é a sintetização da filosofia do custo-benefício: um preço baixo por histórias, ensinamentos e dias de lazer. Ganhar um livro, para mim, é como ganhar um ticket para um spa ;); posso nem sempre ter tempo para ler, mas só de tê-los ali, me esperando, me sinto privilegiada. 
 Enfim, meu namorado sempre me dá ''cestas-básicas'' de literatura, e a última que eu recebi continha livros incríveis: Laranja Mecânica, 2001: Uma Odisseia no Espaço, entre outros. Um deles me deixou com um certo receio, já que achei que acabaria o deixando mais tempo que o normal na fila de espera da leitura ou o esqueceria na prateleira, e tudo isso em razão do nome do autor.
 Peguei o livro como quem não tem nada pra fazer- mas tinha. E o que refleti depois de cumprir meu ritual de cheirar as suas folhas, foi o seguinte: a capa não é a das mais atraentes e o peso de se ler- e entender- um clássico da literatura russa afetaria muito meu ego, isso porque eu me sentiria muito ignorante, teria de dedicar horas para decifrá-lo. Pois é... formei todo um preconceito de como seria complicado ler A Arte de Escrever de Arthur Schopenhauer - e não é que eu me enganei muito?  Sabe, amei estar enganada; o cara escreve de um jeito tão simples, tão inconformado com gente que deixa o leitor desorientado em razão da complexidade da escrita, da excessiva e desnecessária cientificidade de textos acadêmicos e da terrível desvalorização da língua que acabei me apaixonando por ele, reagi de uma forma muito esquisita: comecei a conversar com o livro, isso mesmo, em voz alta e tudo! Questionei o autor num parágrafo, ele me respondia no outro; ficava confusa com determinado raciocínio, logo em seguida ele me situava. E em razão disso tudo, Schopenhauer é considerado por mim como co-autor do meu artigo de direito penal, amigo íntimo e um professor admirável. É uma pena as leis da física não me permitirem voltar no tempo e conhecê-lo, acredito que eu aprenderia tanta coisa a mais com ele! (sim, estou tietando um cara morto feat. enterrado)
 Outra coisa que eu gostei nele, assim como gostei quando li um pouquinho de Freud, Nietzsche, Brecht e Foucault, foi o estresse, entende? Gente estressada, com argumentos e inteligência escreve bem o suficiente para entrar nas reflexões das pessoas e mexer com suas formas de ver o mundo por toda a história, se tornam clássicos.
 Por fim, vou furtar aqui a frase de um amigo e alterá-la um pouco pra explicar o que esse autor me fez passar: ''Queria esquecer aquilo, só para poder sentir como na primeira vez''.

Observação: Eu não lembro da onde eu tirei o título do meu texto, minha memória deve tê-lo alterado um pouco. É bem provável que ele seja parte de alguma poesia ou música, não consegui recordar corretamente as palavras para encontrar o autor, então se alguém ler esse blog - o que eu não ache muito provável- por favor, não pense que eu sou uma ladra de propriedade intelectual. Grata <3