Clarissa estava distraída naquele dia, talvez fosse o cansaço de um longo e produtivo dia de trabalho. ''Fiz a máquina capitalista rodar'', pensava enquanto via vitrines a caminho do restaurante com seus colegas de trabalho. Chegaram, sentou-se na mesa junto com os outros, observou o menu ''Tudo aqui é muito caro, deveria ter guardado mais dinheiro dinheiro''.
- Olá, o que desejam?- perguntou o garçom.
- Uma xícara de café, obrigada.
Em segundos o primeiro gole de seu café foi engolido.
- Sabe o que odeio? Indígenas. São um bando de estupradores alcoólatras, miseráveis e sem caráter, de vida fácil, sustentados pelo governo. Eu os atropelaria com meu carro!
''Quem disse isso?''. Risadas. Observou os rostos a sua volta voltados a um ponto em comum, Benício. Cada um dos espectadores carregava um olhar diferente. Uns riam, outros concordavam, e Clarissa.
- Benício, o ódio e o amor tem muito em comum, sabe por quê? É por que, se sentidos qualquer um deles em demasia a racionalidade é substituída, logo deixamos de ver as coisas com clareza e lógica o que, no seu caso, atinge a sua percepção sobre a humanidade dos indígenas. Ademais, quando você diz algo assim, é subentendido que não há parentesco indígena dos que estão presentes? Talvez você não esteja familiarizado com a história, mas dentro das veias de qualquer brasileiro, e isso o inclui, corre o sangue indígena, que por estupro ou por amor fizeram possível essa nossa conversa. Em ambos os casos, a razão de não nos encontrar-mos muito com nossos parentes é talvez por que estejam mortos. E não mortos de velhice ou alcoolismo, mas assassinados, ou melhor, disseminados por pessoas não-indígenas. Olha, colega, a única coisa da sua afirmação que posso concordar é que eles são miseráveis já que os tomaram tudo, tanto a cultura quanto seus meios de sobrevivência. Ademais, a vida deles é cheia de obstáculos, como por exemplo, seus primeiros desafios estão entre: nascer e chegar aos 10 anos de idade, já que uma grande parte morre por inanição nesse país. Toma vergonha, Benício! - pensou.
Quando Clarissa tomou a coragem de pôr pra fora a indignação que sentia, o assunto já havia sido trocado. Agora falavam sobre motores de carros.
- Garçom, mais uma rodada!- disse Benício.
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